A construção civil evoluiu com as tecnologias que tornaram as construções mais leves, sem perder a resistência. Paredes mais finas e lajes pré-moldadas possibilitaram a elevação de prédios mais rapidamente e com custos mais baratos. Porém, pouco se levou em conta na questão acústica. O resultado é que os ruídos, causados por atitudes corriqueiras, como o barulho do morador caminhando no andar de cima ou dando a descarga no banheiro até as discussões e choros de criança se tornaram os principais causadores de confrontos entre os que vivem em condomínio.
Mas o setor atualmente se atentou a essa defasagem e vem criando novos conceitos para garantir conforto acústico. Entre eles está a Norma Brasileira de Desempenho de Edifícios (NBR 15.575, Partes 1 a 6), da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), que entrou em vigor em 12 de maio. As construtoras têm até novembro para se adequar a ela.
Segundo o superintendente da ABNT CB 02 – Comitê Brasileiro da Construção Civil –, Carlos Borges, a principal diferença desta nova regra em relação a quase mil normas brasileiras existentes é que essa determina um desempenho mínimo para obtenção de um resultado, sem levar em conta a forma para ser atingida. O que vale é o desempenho esperado.
“A norma cobra desempenho acústico nas novas construções, o que implica numa série de pequenas ações e cuidados que devem ser contemplados no projeto e na construção de um prédio”, explica Carlos Borges, que também é vice-presidente de Tecnologia e Qualidade do Secovi/SP (Sindicato da Habitação de São Paulo). Espessura maior da parede e da laje entre as unidades, cuidados para evitar fuga de som de um apartamento para o outro e selamento de portas constam como itens que podem ser aplicados na construção para acabar com o problema.
Borges observa que a norma 15.575 aponta métodos de avaliação para medir o desempenho por meio de ensaios locais e simulações computadorizadas. “É pensar o comportamento em uso ao longo de uma vida útil, que deve ultrapassar 40 anos, já no momento do projeto”, esclarece.
A norma pode ser uma base para a realização de reformas. “É uma referência técnica para conhecer o desempenho de um prédio já construído, pois a NBR 15.575 define os ensaios que podem ser feitos para essa verificação. Mas é importante afirmar que nesses casos não podem ser cobradas melhorias dos construtores do prédio, pois ela ainda não estava em validade”, explica Borges. O superintendente da ABNT CB 02 lembra que um dos benefícios da nova norma é elencar todos os agentes responsáveis pelo desempenho da construção, desde os fornecedores, projetistas, construtores e os síndicos – que devem seguir corretamente as recomendações de manutenção corretiva e preventiva.
Normas definem níveis mínimos de conforto acústico
A NBR 15.575 avalia os sistemas construtivos para que sejam respeitados níveis mínimos de desempenho nas construções, entre eles o acústico. Mas o grau de ruídos aceitáveis é determinado por duas outras normas, que estão em vigor desde 2008, e, portanto, são totalmente aplicáveis aos condomínios já existentes.
A NBR 10.151 aponta os níveis de ruídos toleráveis nas áreas externas às edificações para garantir o conforto da comunidade, dependendo do período do dia. Em áreas estritamente residenciais o ruído não pode passar de 50 decibéis durante o dia e 45 à noite. Já nas áreas mistas com predominância residencial é de 55 dB (dia) e 50 dB (noite), mista com vocação comercial 60 dB (dia) e 50 dB (noite), e mista com predominância recreativa 65 dB (dia) e 55 dB (noite).
A norma que delimita os ruídos internos dos apartamentos é a NBR 10.152. Nela estão apontados o grau de conforto acústico para os diferentes ambientes da casa de acordo com o seu uso. Nos quartos o nível ideal é de 35 dB e o limite aceitável é de 45 dB. Na sala de estar é 40 dB e 50 dB, respectivamente.
O professor do curso de arquitetura da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Wilson Jesus da Cunha Silveira, lembra que apesar de serem credenciadas pelo Inmetro (Instituto Brasileiro de Normas Técnicas) as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) não têm força de lei. “Para serem obrigatórias precisam ser publicadas gratuitamente. Nas universidades são ensinadas, pois as normas técnicas são parâmetros importantes. Em outros países, como França e Espanha, está disponível gratuitamente na internet”, explica.
Salão de festas com tratamento acústico
O momento de alegria de parte dos moradores no salão de festa pode se tornar um estorvo para a tranquilidade de outros. Normalmente o espaço não é planejado com material de isolamento acústico. Para possibilitar que a área seja mais bem aproveitada, os condomínios vêm readequando seus salões com a utilização de janelas acústicas e outros itens que evitam a propagação dos ruídos.
Síndico Yamandu No residencial Harolso Perdeneiras, no Centro da Capital, o salão de festas, com mais de 20 anos, precisava de uma reforma. O síndico Yamandu Eduardo Martorell (Foto) aproveitou para propor um tratamento acústico. “Resolvemos investir no projeto e não ficar mais limitados a festas de crianças”, disse.
Martorell conta que o ruído reverberava não só no apartamento que fica em cima do salão, mas nas paredes de todo o prédio. “Tinha sempre um desgaste, porque vinham reclamações e eu tinha que interferir e até proibir a festa”, revela. A decisão foi tomada em assembleia especifica para o tema. Como é obra útil, o quorum necessário é de maioria dos condôminos.
De acordo com o engenheiro civil responsável pela obra, o doutor em acústica e vibrações pela UFSC Vitor Litwinczik, o ideal é pensar o projeto de acústica antes da construção. Mas o condomínio pode diminuir o problema de barulho com o uso de materiais que atenuam a propagação do som.
No caso do condomínio Haroldo Perdeneiras “estamos colocando gesso acartonado no teto, janelas de vidro acústico e porta com antecâmara. A intenção é atingir a norma 151, que nesse tipo de região limita o nível de ruído em 50 dB à noite”, explica Litwinczik.
As janelas de vidros duplos podem ser instaladas sem retirar a que já existe, sem envolver modificações de fachada nem grandes reformas. Segundo Litwinczik, na instalação também se deve ter cuidado com o tipo de esquadria, quanto mais maciça e larga for, mais vedação oferece. Outro produto que pode ser usado é o isolamento para piso, que minimiza principalmente o barulho do toc toc dos sapatos.
Quando o problema para na Justiça
As desavenças devido ao barulho excessivo têm chegado com frequência aos tribunais e a jurisprudência vem dando ganho de causa para os que reclamam da falta de sossego. Isso porque atualmente a poluição sonora é vista como um problema de saúde pública, inimiga da qualidade de vida.
O advogado Eduardo Pereira da Costa, que é síndico do condomínio Maria Bittencourt, em Balneário Camboriú, lembra de um caso que ocorreu em Blumenau. “No caso de barulho externo, defendi ação de moradores de um condomínio novo contra um clube com mais de 100 anos por causa de barulho de festas. A Justiça obrigou o estabelecimento a fazer o tratamento acústico”.
O ruído de botequins é o que tira o sono de moradores de seis condomínios ao redor da Praça João Higino Pio, em Balneário Camboriú. Dois bares no térreo do edifício Lafayette abrem às 19h e “funcionam, muitas vezes, até as 6h. Colocam cadeiras para fora da sala e servem ali”, conta o síndico do próprio prédio, Diomar Silva. Ele já conversou com os proprietários para determinar regras para o aluguel das salas, mas nada adiantou. A única saída foi entrar com ação contra os estabelecimentos, mas o processo ainda está em trâmite. “Queremos que depois das 22h atendam somente dentro do local, com portas fechadas e, se necessário, que façam tratamento acústico”, solicita Silva.
O inusitado é que o condomínio também virou alvo dos bares. Frequentadores entraram com processo contra o prédio, alegando que os condôminos arremessavam ovos, água e garrafas PET. “Pode até ter ocorrido de um morador irritado ter jogado algo por não conseguir dormir. Mas são vários condomínios na localidade, não sei se foi alguém do nosso”, observa Silva.
Quando o ruído é externo e atrapalha a vida de mais de um morador, o advogado Costa recomenda que entrem com uma ação coletiva ou o próprio condomínio, desde que a medida seja aprovada em assembleia. Se o problema for interno, o advogado recomenda que seja reclamado ao síndico. Ele deve notificar. Se não houver melhorias, a multa deve seguir. Se ainda não houver resultados, o reclamante pode entrar com ação indenizatória no Juizado Especial Civil. “Não recomendo o síndico entrar com ação, o lesado (condômino) é quem tem que entrar com o processo”.
Responsabilidade do síndico
O síndico deve assumir seu papel de fiscalizador no prédio, caso contrário, quem incomoda toma conta da situação e os que querem sossego continuam sendo prejudicados. Uma moradora do condomínio da Capital, que não quis se identificar, sofre com o barulho das crianças do vizinho de cima. “Ele tem três filhos entre 9 e 14 anos. Arrastam móveis, jogam bola dentro de casa e, apesar de eu ter avisado o condomínio do problema, o síndico não fez nada. Ninguém quer se indispor”, reclama.
O conselheiro do edifício Rio Reno, Diógenes Bartolomeu, que já foi síndico, diz que o gestor condominial tem que cobrar disciplina dos barulhentos. Segundo o representante do condomínio no bairro Jardim Albatroz, em Florianópolis, as reformas são outro foco de ruídos. “Em residenciais tem que ser feita a obra no horário comercial. Tem que avisar os vizinhos para se preparar e dizer quanto tempo vai demorar. Também é uma obrigação informar ao síndico”, aponta.
Novos conceitos da construção civil visam minimizar o problema dos ruídos, como a norma de desempenho de edifícios.
Fonte: condominiosc