Várias dúvidas sobre as competências na tributação de alguns negócios na área do direito com tecnologia têm gerado demandas judiciais.
O Judiciário já entende que os softwares são programas comercializados por meio de licença de uso, na qual o proprietário ou o desenvolvedor concede a terceiro, após remuneração, o direito de usá-los pelo tempo estipulado e de forma não exclusiva. Antes, o material era disponibilizado por meio de suporte físico. Por isso, os Estados entendiam se tratar de circulação de mercadoria, sujeita ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Quando discutiu-se a natureza jurídica do software, a classificação foi feita em três categorias. O mais comum era o software “standard”, ou de prateleira. Havia também a modalidade desenvolvida para uso massificado, mas por encomenda, destinada a demandas especificas dos clientes. A última modalidade era a de softwares ainda mais personalizados.
A tecnologia exigirá mudanças rápidas no sistema tributário, pois as novas atividades não se enquadram nos conceitos já existentes
O Judiciário passou a entender que, se o software fosse personalizado, tratava-se de uma prestação de serviços sujeita ao Imposto sobre Serviço (ISS). Do contrário, pagaria ICMS.
Hoje, os softwares não precisam mais de um suporte físico. São disponibilizados digitalmente, via download ou nuvem – são os chamados SaaS (Software as a Service, ou software como serviço). Por definição, estariam sujeitos ao ISS, imposto municipal, e constariam da lista do Decreto-Lei 406/68.
Por meio dos Convênios do Conselho Nacional de Politica Fazendária (Confaz) nº 181 e 106, de dezembro de 2015 e setembro de 2017, respectivamente, os Estados estabeleceram procedimentos para cobrar o ICMS sobre operações com bens e mercadorias digitais vendidas por transferência eletrônica de dados.
A partir de dezembro de 2017, mediante o Decreto Estadual nº 63.099, o Estado de São Paulo passou a tributar bens e mercadorias digitais.
Entendendo que os SaaS são serviços, os municípios os incluíram na Lista de Serviços do ISS – Lei Complementar 157/16, tais como o SaaS, a hospedagem de dados, disponibilização de conteúdo de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet – itens 1.03 e 1.09 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003.
O resultado foi a cobrança de ICMS estadual e ISS municipal nessas operações. Para resolver a questão, será preciso definir de forma perene o que é software para possibilitar trocas de dados e informações indispensáveis ao desenvolvimento da Internet das Coisas (IoT).
A tecnologia exigirá mudanças mais rápidas no sistema tributário nacional, já que as novas atividades não se enquadram nos conceitos já existentes.
Um bom exemplo dessa evolução é a Itália e seu novo Tributo sobre Transações Digitais que deve cobrar, a partir de 2019, 3% sobre os pagamentos por serviços digitais prestados, independente do local de sua efetivação. O chamado Web Tax tem como critério a prestação de serviços prestadas por meio eletrônico.
Em março de 2018, a União Europeia apresentou proposta de criação do Digital Tax Package, que tributaria atividades ainda não regulamentadas nos países do bloco. Venda de espaço publicitário on-line, intermediação digital com outros usuários, venda de dados gerais a partir de informações fornecidas por usuários são exemplos.
No Brasil, o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) elaborou um projeto de reforma que criaria um imposto sobre bens e serviços, unificando PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, com receita dividida entre União, Estados e municípios.
Um tributo baseado em bens e serviços simplificaria e reduziria custos de apuração e facilitaria a cobrança sobre receitas de atividades digitais. Até o momento, porém, Estados e municípios disputam a quem cabe essa parte do quinhão.
Vilma Rangel Garcia é sócia fundadora do Martins Rangel Garcia Advogados, especialista em direito tributário, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP e do Fórum Internet das Coisas – IoT
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Publicado em 01/08/2018 por Valor Online