Ex-ministro da Fazenda, o economista Maílson da Nóbrega chama de “medíocre” e “muito abaixo das possibilidades” o crescimento previsto para a economia brasileira este ano. Segundo ele, a taxa não vai passar de 0,3%. Desde o ano 2000, só em 2009 houve um resultado mais fraco (-0,3%). “O Brasil parou. A economia patina. Não merecemos isso”, diz.
Marilia Vasconcellos


Maílson da Nóbrega fala sobre crescimento econômico, inflação e o que chama de caos do sistema tributário brasileiroMaílson da Nóbrega fala sobre crescimento econômico, inflação e o que chama de caos do sistema tributário brasileiro

As projeções do economista acompanham as de mais de 100 instituições financeiras consultadas semanalmente pelo Banco Central. O Ministério do Planejamento, embora se mantenha mais otimista, cortou pela metade a projeção que havia traçado e que agora está em 0,9%.

Nesta entrevista, Nóbrega aponta possíveis erros da política econômica, frisa a necessidade de “mudar quase tudo” no sistema tributário e critica o Simples, regime de tributação diferenciado para micro e pequenas empresas. “Esse tratamento piora a qualidade do sistema, castra o incentivo para o crescimento das empresas”, avalia.

Nóbrega foi ministro durante o governo José Sarney, entre janeiro de 1988 e março de 1990 – período em que o país enfrentou a chamada hiperinflação.

A entrevista foi concedida por e-mail, praticamente às vésperas da palestra que vai ministrar em Natal, sobre as perspectivas da economia brasileira. A palestra é parte do seminário “Fecomércio RN: 65 anos à frente”, que a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Norte realiza nesta segunda-feira (29), a partir das 19h, no Teatro Riachuelo, em parceria com a TRIBUNA DO NORTE. O outro palestrante é o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, cuja entrevista à Tribuna pode ser lida na página 3 do caderno de Natal.

O mercado está projetando um crescimento de 0,3% para a economia este ano. Qual a sua projeção?
É exatamente a mesma.

Como avalia esse crescimento?
É um crescimento medíocre, muito abaixo das possibilidades do país.

É possível falar em erro de direção na política econômica?
Sem dúvida. O governo vem atribuindo o baixo crescimento aos efeitos da crise mundial, mas esta aconteceu há seis anos. A economia americana já se recuperou. Na Europa, apesar das dificuldades, há sinais de retomada inequívoca na Alemanha e no Reino Unido. Nossa mediocridade tem origem essencialmente doméstica.

O que teria saído errado?
O governo imaginou que poderia impulsionar a economia mediante estímulos ao consumo (mais gastos, mais crédito, mais desonerações, menos juros). Essa lógica pode funcionar em momentos de crise, quando a demanda de consumo e investimento se retrai por uma queda de confiança de consumidores e empresários. Não era o caso. Além disso, a estratégia somente funcionaria se ao mesmo tempo tivesse havido estímulos ao aumento da oferta. O governo fez o contrário com sua excessiva intervenção na economia, de que é exemplo mais desastroso a intervenção no setor de energia elétrica. Criou incertezas que contribuíram para uma queda na taxa de investimento. Assim, grande parte da expansão do consumo vazou para o exterior, elevando as importações, e pressionou os preços, consolidando uma persistência de inflação teimosamente acima da meta de 4,5%. A inflação não foi maior porque o governo controlou os preços de combustíveis, energia elétrica e transportes urbanos e interestaduais. Afora tudo isso, a falta ou insuficiência das reformas contribuíram para a queda da produtividade, que, como se sabe, é o principal fator do crescimento.

Como corrigir o rumo a partir de 2015?
É difícil dizer, pois são muitos os pontos que precisam ser modificados. Com certeza será preciso abandonar o controle de preços. No campo fiscal, promover ajustes para eliminar o artificialismo na geração de superávits primários, que consistiu em malabarismos e ampla contabilidade criativa. O governo tentou fazer crer, inutilmente, que cumpria metas fiscais. É preciso restaurar a confiança na política econômica. No campo das reformas estruturais, principalmente a tributária, reunir competências para realizar um bom diagnóstico e desenvolver uma estratégia de mobilização política para aprová-las.

O próximo ano também será difícil?
O país continuará a crescer pouco, provavelmente em torno de apenas 1%. Não há como evitar. A recuperação de taxas mais altas de expansão do PIB dependerá de medidas que aumentem a produtividade. Dependerá também de um começo firme de mudanças, na linha descrita na pergunta anterior.

Vemos o ritmo do emprego, das vendas e da produção atingindo os priores desempenhos dos últimos anos. Uma avalanche de indicadores também mostra inadimplência nas alturas, crédito mais caro e baixa confiança de empresas e consumidores. É um cenário que preocupa?
Claro que preocupa. Dói ver um país de tantas oportunidades vivendo uma situação tão medíocre. O Brasil parou. A economia patina. Não merecemos isso.

O senhor acompanhou de perto o período de inflação recorde no Brasil. Que leitura faz do atual momento com o índice muito próximo ou acima da meta?
São momentos distintos e situações diferentes. O Brasil deixou para trás a conjunto de circunstâncias que nos legaram o processo hiperinflacionário dos anos 1980 e começo da década de 1990. A sociedade se tornou intolerante à inflação. A maioria aprendeu que a inflação não produz o crescimento. Em suma, hoje odiamos a inflação. Além disso, construímos instituições que permitem acionar “alarmes de incêndio” quando a inflação sobe muito. A popularidade do governo cai e ele é obrigado a agir, pois deixar a inflação fugir do controle equivale a suicídio político.

Em relação ao sistema fiscal e tributário, o que precisa mudar?
Precisa mudar quase tudo. O sistema tributário se tornou um caos e constitui talvez a principal fonte de ineficiências da economia brasileira. É uma barreira séria contra o crescimento. O ICMS é o principal problema. Ficou confuso, imprevisível, caro. Um inferno. As regras do ICMS mudam pelo menos cinco vezes por semana em todo o país. Não é possível ganhar competividade e eficiência quando se enfrenta um tipo de tributo cujas regras oscilam ao sabor das conveniências de cada Estado. O ideal será criar um imposto sobre o valor agregado (IVA) nacional, arrecadado pela União e distribuído automaticamente às três esferas de governo, como acontece em todas as federações que adotam esse tipo de tributação do consumo. Mais de 150 países adotam o método, mas o Brasil é o único em que os Estados são responsáveis pela maior parte da arrecadação e do estabelecimento de regras. Não é, infelizmente, tarefa fácil fazer a reforma. Os governadores e outras coalizões de veto se oporão às mudanças. No mínimo, se deveria tentar uniformizar as regras do ICMS a nível nacional. Não sou otimista a esse respeito.

Por que a reforma tributária não sai do papel? Qual é a barreira?
A reforma tributária não sai porque não é tarefa simples, como muitos pensam. É provavelmente a mais complexa tarefa do sistema político. Participei do primeiro grupo de trabalho de reforma tributária no Ministério da Fazenda, em 1983. Mais de trinta anos depois e muitos outros grupos, o sistema tributário só fez piorar. A Constituição de 1988 ampliou as distorções e dificultou as reformas. As mudanças dependem da combinação de liderança política, um bom diagnóstico, a estratégia correta para mobilizar a sociedade e um projeto viável. Até hoje não conseguimos reunir essas condições e duvido que as tenhamos no próximo governo, menos ainda se a presidente Dilma for reeleita. Para ela, reforma tributária é ampliar o Simples, o evidente equívoco.

O governo diz que o Simples fez uma minirreforma tributária para micro e pequenas empresas. Esse pode ser considerado um primeiro passo para uma reforma mais ampla?
Isso é uma visão errada. O Simples é, na verdade a contrarreforma. Claro, o Simples se tornou necessário diante da complexidade assumida pelo sistema tributário. Se nem as grandes empresas conseguem entendê-lo, menos ainda as micro e pequenas empresas. Foi preciso criar um ambiente asséptico para evitar que essas empresas se contaminassem com a podridão do sistema. Acontece que o Simples piora a qualidade geral da tributação. As empresas do Simples não geram crédito na tributação do consumo, o que complica a vida de quem não está no esquema. Elas são alijadas das atividades ligadas ao comércio exterior. Além disso, o Simples acentua o chamado complexo de Peter Pan. As empresas precisam ser sempre pequenas, pois se ficarem grandes saem do céu para o inferno tributário. Normalmente, os empresários criam novas empresas micro e pequenas. Não ganham dimensão nem produtividade. O país perde com tudo isso.

O senhor destaca pontos negativos. Mas a redução da carga tributária possibilitada às micro e pequenas empresas não é necessária? Quer dizer, dar tratamento diferenciado aos “pequenos” é uma decisão errada ou apenas a forma de fazer isso é que está errada?
Em um sistema tributário decente e bem estruturado, não há diferenciação por tipo de empresa para efeito do pagamento de tributos. As micro e pequenas empresas costumam ter tratamento diferenciado em muitos países, mais associado à forma de pagar impostos e não ao seu nível e ao tipo de incidência. O regime tributário favorecido aos pequenos negócios no Brasil se justifica apenas se considerarmos o caos tributário, a confusão dos regimes, os prazos de recolhimento e as obrigações acessórias. Nenhuma empresa pequena consegue navegar nesse mar tumultuado. Acontece que esse tratamento piora a qualidade do sistema, castra o incentivo para o crescimento das empresas e as alija das atividades de comércio exterior. Assim, o Simples é apenas um mal menor, infelizmente necessário nas circunstância. Resolve-se o problema da pequena empresa, mas se cria um sério inibidor ao desenvolvimento do país. Temos, pois, de lutar por um sistema tributário novo, simples e passível de entendimento por qualquer empresas, independentemente de seu porte.

Como incentivar essas empresas?
É razoável uma ação do Estado em benefício dessas empresas. Isso acontece em todo o mundo, particularmente na área do crédito, pois elas são menos atrativas para o sistema financeiro. Há, pois, uma clara falha de mercado, que cumpre ao governo suprir, seja mediante a oferta de crédito por bancos estatais, onde eles existem, ou mediante a concessão de garantia para a obtenção de empréstimos na rede bancária privada. Outras formas de apoiar essas empresas são a orientação para gerir seus negócios, treinamento de sócios e funcionários, preferência em compras governamentais, para citar os mais importantes. Usar o sistema tributário não é melhor forma, salvo no doido ambiente tributário do Brasil. É sempre bom lembrar que empresas não pagam impostos. Elas são apenas as responsáveis pelo recolhimento dos impostos devidos pelos consumidores e pelos sócios, neste caso principalmente via imposto de renda de pessoas jurídicas, que na verdade constitui uma antecipação do tributo devido pelos sócios. Infelizmente, o sistema tributário brasileiro ficou tão confuso que é impossível identificar todos os tributos que incidem no processo de produção e comercialização, o que resulta em um absurdo tipicamente brasileiro: as empresas terminam arcando com o ônus tributário em suas transações.

Quem
Maílson da Nóbrega é filho de alfaiate, nascido no interior da Paraíba e chegou a trabalhar como “descastanhador” de caju e vendedor ambulante.

Formação
Economista

Carreira
Foi ministro da Fazenda de 1988 a 1990, após longa carreira no Banco do Brasil e no setor público. Como ministro, presidiu o Conselho Monetário e o Confaz e integrou os boards do FMI, do Banco Mundial e do BID. Atualmente, participa de conselhos de administração de empresas no País e no exterior, é colunista da revista Veja e sócio da consultoria econômica Tendências.

Fonte: Tribuna do Norte / Renata Moura – Editora de economia